Dolce fare niente

Um dos meus maiores defeitos é ser incapaz de estar em casa sem fazer nada. Quando não há nada para fazer - o que é uma raridade - eu invento. É parvo, eu sei... mas é algo que torna ainda mais apetecível os fins-de-semana fora. Não é algo que façamos muitas vezes, muito menos só os dois, mas pelo menos uma vez por ano arranjamos baby-sitting e vamos passear. Em boa verdade, mais do que passear, aproveitamos para dormir até mais tarde, para tomar um pequeno-almoço descansado e para passar tardes preguiçosas a ler, que antecedem sempre um bom jantar... este foi um desses fins-de-semana.

Comecemos pelo princípio. Custa-me sempre um bocado estar longe da Catarina. Não é que não me saiba bem, não é que não seja salutar, mas já passamos tão pouco tempo juntas que fico sempre com uma ponta de remorso por não estar com ela. Com o trabalho sob controlo, consegui tirar a sexta-feira de férias e ficar com ela, de modo a compensar um pouco o facto de irmos estar longe durante o fim-de-semana.

Apesar de a manhã ter sido conturbada - a fase do "não quero comer" voltou em força e, com ela, as fitas e os castigos - a hora do almoço foi muito, muito boa. Aproveitei a minha avó cá estar e levei as duas a comer uma pizza na praia de Carcavelos. A confusão era mais do que muita e não conseguimos ficar na esplanada, mas fomos comer um gelado depois de almoço e apanhar sol nas espreguiçadeiras que estavam à nossa disposição. Até a minha avó alinhou...


No final do dia fomos buscar o A. ao emprego e seguimos para Évora. A minha mãe tinha um belo Bacalhau à Brás à nossa espera numa mesa com os requintes habituais que eu adoro - um belo queijo, um pão magnífico e os vinhos, tinto e do Porto, de que sou fã - e, já com a barriga cheia e com novos e velhos entregues, seguimos rumo a Borba. Confesso que não gosto particularmente de hotéis, por isso prefiro sempre ficar em casas de turismo rural ou turismo à habitação, que valem sempre pelo carinho especial que os seus donos põem naquilo que fazem. Desta vez fomos para a Casa do Terreiro do Poço, mesmo no centro da cidade. O sono e o tardio da hora não me deixaram apreciar mais do que o conforto dos lençóis, mas no dia seguinte já pude tirar o devido proveito da nossa escolha.

O espaço é fabuloso, um solar antigo entalado no meio de duas ruas, com várias casas anexas a servir de alojamento. Ficámos numa das casas que dá para a rua que tinha uma varanda espectacular onde passámos uma boa parte do tempo. O jardim é lindíssimo, muito bem tratado, e gostei especialmente da profusão de potes gigantes espalhados por todo o lado. O pequeno-almoço, que é sempre uma das coisas que mais valorizo em qualquer sítio onde fico, é também muito bom, com belo pão, bolo e doces caseiros e, como não podia deixar de ser, queijinhos alentejanos à maneira.



A manhã de Sábado foi passada em Borba, que eu não conhecia. É uma cidade pequena que, não sendo especialmente interessante, tem uma dinâmica engraçada à volta dos cafés, do - pouco - comércio do centro da cidade e das muralhas do castelo. Os seus ex libris são as cooperativas de vinho e azeite e os antiquários. Os primeiros não visitámos; os segundos pareceram-me demasiado pretenciosos para aquilo que lá tinham dentro. É claro que de antiguidades pouco percebo, por isso admito que possa haver alguma injustiça nestas palavras.

O que me impressionou acima de tudo em Borba foi a praga de andorinhas. Os beirais estão repletos de ninhos e sempre que olhamos para cima há um frenesim constante na linha dos telhados. Nunca tinha visto tantas andorinhas juntas. O senhor da mota, vendedor de cautelas e pensos rápidos, estava sempre em todo o lado, para onde quer que fossemos. Deve ser com pouca dúvida uma das figuras míticas da cidade.


Uma das vantagens destes pequenos-almoços, que para além de fartos são tardios, é podermos não almoçar, o que nos liberta sempre a tarde e abre o apetite para a hora do jantar. Seguindo a sugestão de uma placa antiga, fomos a Estremoz, aqui escrito como as regras do nosso tempo ditam.


Chegámos mesmo a tempo de ver a cidade banhada pela luz do final do dia. A neblina dava um ar idílico aos campos circundantes, que estão nesta altura do ano com um tom de verde que nada tem a ver com os tons que no nosso imaginário colectivo atribuímos às paisagens alentejanas. O passeio foi curto, apenas para abrir um pouco mais o apetite. Ao contrário de Borba, Estremoz é-nos bem mais familiar, por isso limitámo-nos a caminhar um pouco pelas ruelas, a contornar a muralha e a ver o sol a descer no céu e a pôr-se, não no horizonte, mas no casario. Para mim, o pôr-do-sol mais bonito de Portugal é o que se vê das muralhas de Évoramonte, bem perto dali, mas esse ficará para uma próxima visita. Ainda assim, o de Estremoz pintou as casas de laranja, manchando momentaneamente as paredes acabadas de caiar e sem mácula. O jantar foi no São Rosas, mesmo ao lado da Pousada. Apesar de sair um pouco do orçamento, vale a visita.


A manhã de Domingo foi calma, dedicada a apanhar sol na 'nossa' varanda após outro belo pequeno-almoço. Estava, porém, na hora de regressar, de ir buscar a Cat e aproveitar o resto do fim-de-semana para estar com a minha mãe, com quem estou sempre tão pouco tempo. Vale a pena passear pelo Alentejo em qualquer altura do ano, mas na Primavera as planícies estão gloriosas, verdíssimas, salpicadas pelo amarelo das azedas e das giestas, pelo branco das estevas, pelo traçado geométrico das vinhas e pelos contornos das oliveiras. Os Açores que me desculpem mas é, para mim, o sítio mais bonito de Portugal.

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