Stinky, o náufrago

Em Maio passado eu e a Cat passeavamos à beira-mar antes de um almoço de família quando nos deparámos com um ursinho de peluche que parecia ter vindo com a maré. Ficámos a olhar para ele durante algum tempo e eu posso jurar que parecia que ele nos olhava de volta com uma expressão profundamente infeliz. O pêlo estava cheio de algas e de areia e parecia bastante maltratado. Deixámo-lo ali e fomos almoçar. De repente a Cat, que é sempre sorridente, sentou-se a um canto e começou a ficar muito triste e a chorar baixinho. Após alguma insistência, lá me disse que não conseguia parar de pensar no olhar triste do ursinho. Apesar de eu não ser nada dessas coisas, lembrei-me também eu daqueles olhos, cujo brilho se perdera pela força do mar e do seu sal.  Pensei no que terá passado ao sabor das marés até dar à costa naquela praia. Então, lá convenci o André a partir com a filha numa missão de salvamento. Foram e trouxeram o pobre ursinho dentro do meu saco de pano que costumo usar nas compras. Era um desafio aproximarmo-nos daquele saco, que tresandava a algas podres e a óleo de navio. Chamámos-lhe Stinky ainda no caminho para casa.


Bem, quando chegámos a casa, a primeira coisa que fiz foi encher um alguidar com água e detergente, passar o urso por água corrente e deixá-lo de molho durante umas boas horas. A água do banho de imersão ficou completamente castanha. Passei-o novamente por água e pu-lo a secar, de modo a poder limpar-lhe bem o pêlo de toda a porcaria que trazia agarrada: sargaços, fio de pesca, nafta, enfim... O coitado estava tão impregnado de água que demorou quase três dias pendurado na corda da roupa. Mas aqueles olhos pareciam ter ganho outra vida...

Depois deste primeiro tratamento, estava pronto para ir à máquina sem comprometer a limpeza do resto da roupa. Primeiro foi com roupa escura, just in case, e depois com roupa clara, num programa de água mais quente. Finalmente consegui que perdesse aquele cheiro, mas o pêlo continuava em mau estado, com uns pequenos fios metálicos que tinham escapado à primeira limpeza. Para além disso, as extremidades estavam cheias de areia, pelo que seria necessária uma intervenção cirúrgica...


Para esta parte já não tive pachorra, então deixei-o sentado à espera de uma oportunidade minha para fazer o que tinha que ser feito. No fim-de-semana passado, aproveitando a Catarina estar no Algarve, lá me dediquei ao nosso pobre ursito. Cortei-lhe toda a costura na base e retirei todo o enchimento, que ainda conseguia cheirar mal. Virei-o do avesso e tirei-lhe toda aquela areia escura que se acumulava nas patas e no nariz. Lavei novamente a parte de fora do urso na máquina e depois entretive-me a tirar um a um os pequenos fios metálicos. O enchimento é sintético e estava em bom estado, por isso uma boa noite de molho em detergente para lãs tirou de vez aquele pivete horrível. Depois de seco, ainda largou outra tonelada de areia. Voltei a enchê-lo, cosi-o com linha grossa e com um ponto mais ou menos invisível e escovei-lhe o cabelo com a escova das bonecas.


E foi assim que devolvemos a alegria aos olhos do Stinky. A Cat chega no fim-de-semana e vai vê-lo sentado na sua cama, feliz e recuperado, já sem o seu ar de náufrago. É claro que é mais um boneco. Mas é também uma boa história para contar um dia mais tarde.

Comentários

  1. Olá

    Que bela história, até fiquei emocionada.

    Eu tenho um urso que me ofereceram antes de eu nascer e foi o meu companheiro durante muitos anos, dormi com ele até aos 15 anos e quando ia a lavar e de noite ainda estava molhado a minha mãe tinha de o colocar dentro de uma fronha porque eu não dormia sem ele.

    Passamos muitas aventuras juntas e ainda hoje, eu tenho o meu ursinho guardado porque não consigo me separar dele.

    beijinhos

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    1. É uma pena que os miúdos já não tenham esse tipo de relação com os brinquedos... têm demasiados, é o que é...

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